Introdução

A maioria das pessoas conhece a figura de Èsu- um Orixá e/ou uma entidade da matiz africana. Pretendo tratar especificamente em cima de Èsu, de suas atuações e aproveitar os preconceitos que colocam em cima do mesmo. Também, trataremos do purgatório, submundo, dentro da matiz africana, especificamente da umbanda, conhecido como "Orun Apaadi". Neste texto citaremos principalmente trechos das obras de um médium e teólogo umbandista consideravelmente conhecido: Rubens Saraceni.

Èsù

Èsù, ou Exu,("esfera") é o Orixá do movimento e fiscaliza o Axé (Asé, força, poder) das coisas que são feitas pelos seres humanos. Ainda, o Exu pode ser dito de vários tipos de "daemones" (espíritos, inteligências), ou melhor, e de forma mais esclarecedora, deidades:

Por isso, os seres humanos ou "espíritos" podem "exunizar-se" ou desenvolver a capacidade de manifestarem o mistério dual de Exu. Nós mesmos já escrevemos a história de vários "Exus", que na verdade são espíritos que "exunizaram-se", ou são de Exus que espiritualizaram-se após encarnarem e meterem-se em "confusões" humanas ou de confundirem-se durante suas humanizações. Perguntem aos Exus de trabalho dos médiuns de Umbanda e, com certeza, eles revelarão que já viveram no plano material como pessoas, algumas bem conhecidas porque têm seus nomes nos livros de história.[1]

O cetro fálico de Èsù

O Exu possui um cetro com formato fálico: Passione Passione

O significado do cetro fálico é sexualidade, virilidade e força:

Seu cetro simbólico está mostrando um dos seus campos naturais de atuação, que é a sexualidade, assim como está deixando patente que lida naturalmente com a energia vital gerada no aparelho genésico que, se quintessenciada, "resulta" …no fluxo da energia kundalini, que é a responsável pela abertura de faculdades mentais superiores, capacitando as pessoas e dando-lhes condições de sustentarem operações mentais muito mais sutis e abrangentes. Logo, como o falo é o símbolo mais marcante do vigor sexual, Exu tem nele seu "totem" ou cetro de poder. O Linghan Hindu (falo de Shiva) é um símbolo de Exu e toda a sua simbologia nos revela que ele está na base da energia kundalini. Os deuses fálicos de antigas civilizações nada mais eram que a humanização do mistério da criação que rege sobre a vitalidade dos seres. E na África, em algumas de suas "nações", Exu foi a divindade que chamou para si a "humanização" desse mistério da criação, mistério esse que tem numa das dimensões paralelas seus meios natural e gerador de magnetismo e energias, dimensão esta que vitaliza todas as outras dimensões planetárias, que retiram dela a quantidade exata de energias que precisam para vitalizar os seres que vivem nelas.[2]

E, de fato, os Exus apresentam estas características "humanas". Saraceni, ainda, explica que Exu mantém uma relação simbiótica com a humanidade.[3] Os Exus e a humanidade tem uma relação simbiótica que pode ser positiva ou negativa. Ao exemplo de uma negativa, um médium soberbo faz Exus refletirem prepotência; ao exemplo de uma positiva, um médium generoso faz os Exus refletirem prestatividade. E o inverso acontece, com médiuns refletindo os Exus.

Todavia, o Exu não faz o médium refletir sexualização após a incorporação, isso raramente ocorre; as virtudes a serem vitalizadas são outras:

a maior vitalizacão se dá no seu mental e no reequilíbrio do seu emocional, assim como no fortalecimento dos seus corpos físico e energético.[4]

Outras características de Èsù

Exu tem uma característica dual, todavia ela não é culpa do mesmo. Ele gera em si e de si, i.e., ele gera em si mesmo aspectos bons e gera nos outros aspectos ruins.

… são geradores naturais (geram em si) de um tipo de energia que quando irradiada para alguém, vitaliza-o, fazendo com que se sinta forte e vigoroso, feliz mesmo! Por isso Exu, quando incorpora em seu médium, gargalha à solta. Exu Natural transpira essa alegria natural e até sorri com nossas tristezas e tormentos. Exu Natural não conhece os sentimentos de tristeza, mágoa ou remorso, pois não os gera em si, mas tão-somente de si. Este "gerar de si", ocorre quando ele atinge outros seres com seu mistério em seu aspecto negativo, que é desvitalizador. Mas não os gera em si e não os vibra quando se manifesta em seus médiuns, aos quais ofende chamando-os de "burros", pois se não os gera em si, não entende as razões dos seus médiuns gerá-los em seus íntimos e exteriorizá-los em vários sentidos. Logo, a dimensão natural de Exu desconhece a tristeza, a mágoa e o remorso. E quando Exu é evocado para punir alguém, ele faz o seu trabalho muito bem feito porque não sente remorso, mágoa ou tristeza ao ver que quem ele está punindo, está sofrendo. Exu vê isso com bons olhos, pois sabe que, se não gera em si esses sentimentos, no entanto os gera de si (a partir de sua atuação) porque só assim a vida do ser aluado passará por uma transformação. Por isso Exu é cósmico e é transformador… da vida alheia. Os Exus Naturais são seres alegres, bem-humorados, pilhéricos e não se ofendem com facilidade[5].

A irradiação significa que o Exu usa sua vibração de energia para atuar e manifestar-se na vida dos outros. O Exu não pode ser ruim por três motivos:

1. Ele não compreende os sentimentos ruins para sentir prazer na qualidade de ruim das coisas ruins.

2. Ele não tem iniciativa para seus atos, ele é sempre usado e nunca um usuário" de si mesmo, nunca terá iniciativa para fazer o mal.[6]

3. É incapaz de realizar qualquer tipo de mal, se algo se diz ser um Exu e o faz, em realidade é um daemon, não uma deidade, portanto, impossível de ser um Exu.

Quando falamos que Exu é um elemento desvitalizador, significa que ele tem esse poder, mas isso não significa que seu uso recaia se atribuir alguma malícia ao ser, já que nem toda punição é maléfica.

Sobre a primeira consideração, o Exu ainda pode ter sua visão distorcida. Tomando o certo pelo errado, o reto pelo torto e o racional pelo prazeroso. Assim, com efeito, ele poderá até mesmo acabar punindo seu evocador, decorrente de suas visões distorcidas.[7]

Outras características de Exu podem ser ditas:

1. O Exu é um oraculador, por isso usam-no regularmente em jogos de búzio;[8]

2. Exu, na magia, só responde se for evocado ritualisticamente e ofertado;[9]

3. Exu, se descoberto, pode se voltar contra seu evocador;[10]

3. Exu, se descoberto, pode se voltar contra seu evocador;[10]

4. Exu é um elemento vitalizador;

5. Exu pode vitalizar seres elementares, mas não emite em si os elementos. Por exemplo, um ser elemental de fogo pode ser vitalizado igneamente pelo Exu, mas isso não significa que ele esteja emitindo tal;[11];

6. Exu, Exu é o melhor interprete e mediador entre as vontades dos Orixás e dos humanos.[12]

A vitalização dos Exus

O Exu pode vitalizar certar virtudes, ou elementos. Por exemplo, o filho de um Orixá pode qualificar certa qualidade. Os filhos de Ogum têm a qualidade do fogo, ou seja, por exemplo, da justiça. O Exu de Fogo pode vitalizar os sentidos de justiça, da razão e do equilibro dos seres.

Todo filho de Xangô e toda filha de Egunitá têm na sua esquerda natural um Exu Guardião do Fogo, da Justiça e da Razão.[14]

Isso acontece de igual maneira com os outros Exus, com os outros Orixás e seus respectivos filhos.

O Exu de cada

As pessoas comuns têm apenas um Exu: o Exu Natural Individual. Que pode ser explicado da seguinte maneira:

Todas as pessoas têm à sua esquerda um Exu Natural que atua no sentido de vitalizá-las, se estiverem evoluindo de forma reta ou virtuosa, ou de desvitalizá-las, caso deem um rumo torto ou viciado às suas evoluções.[15]

Já as pessoas comuns (não médiuns) têm apenas um Exu Natural individual, ao qual não é possível identificar porque eles não se mostram e quando estão atuando nos seus pares humanos, fazem-no por meio de quiumbas ou de pessoas interpostas.[16]

Já os médiuns podem estes tipos de Exus, com nomes autoexplicativos:

• Exu Natural Individual: correlaciona-se com o orixá de frente.

• Exu de trabalhos espirituais ou Exu de Lei: correlaciona-se com o orixá ajunto.

• Exu Guardião: correlaciona-se com o orixá ancestral

Os Exús "de 7"

Temos, por exemplo:

• Exus Espada ou Sete Espadas

• Exus Caveira ou Sete Caveiras

• Exus Porteira ou Sete Porteiras

• Exus Cruzeiro ou Sete Cruzeiros

• Exus Capa Preta ou Sete Capas Pretas

• Exus dos Raios ou Sete Raios

• Exus das Encruzilhadas ou Sete Encruzilhadas

• Exus Coroa ou Sete Coroas, etc.

A explicação que Saraceni nos dá é a seguinte:

E muitos Exus também atuam nas sete linhas, pois desenvolveram a capacidade mental de vitalizarem ou desvitalizarem os sete tipos de elementos, magnetismos, sentidos, mistérios, etc. Logo, nada mais lógico que a existência de um Exu das Encruzilhadas, outro das Sete Encruzilhadas e outro ainda Rei das Sete Encruzilhadas.[18]

Logo, existem 3 tipos de Exus das encruzilhadas:

Um Exu das Encruzilhadas é um iniciante que guarda um só cruzamento ou passagem de uma irradiação;

Um Exu das Sete Encruzilhadas é um ser já bem desenvolvido mentalmente, pois guarda as sete passagens ou cruzamentos de uma irradiação;

Já um Exu Rei das Sete Encruzilhadas é um Exu Guardião à esquerda do próprio Mistério das Sete Encruzilhadas (as sete irradiações).[19]

O Exu pode individualizar-se nas esferas dos Orixás:

E o mesmo acontece com todos os outros orixás porque em cada um deles, o nosso divino Trono das Sete Encruzilhadas individualizou-se, pois só assim eles adquiriram a faculdade de irradiarem-se de forma sétupla, repetindo-o e multiplicando-o nos níveis vibratórios onde seus manifestadores estão assentados, regendo a evolução dos seres, das criaturas e das espécies.[20]

O significado do número 7

Passione

Temos, por exemplo:

O número sete representa várias coisas. Primeiramente, ele é a forma do mundo, ou do universo:

Além disso, o sete (hebdomad) consiste em três dimensões (comprimento, largura e profundidade) e quatro limites (ponto, linha, superfície e sólido) e revela corporeidade.[21]

Assim como o um, o sete é indissolúvel, exceto se dividirmos o mesmo por ele mesmo. 7/7= 1, o resultado continua indissolúvel, ou seja, um número primo.[22]

Além disto, o 7 é um número primo, ou seja, "difícil de se dividir" - que significa que ele representa atividade, enquanto os números pares representam passividade por serem fáceis de realizar a divisão.

O sete é um número perfeito pois é um dos meios entre a mônada e a década, fazendo uma média na proporcional disjunta, ficaria " 1, 4, 7, 10". Entre o 4 e o 1 cabem 3 números, entre o 7 e o 10 também cabem 3 números.[23] De certa forma, é um mediador entre os de cima (mônada) e os de baixo (década).[24] Como dito anteriormente, o Exú é o mais humanizado, por isso é o número mais perto dos "de baixo", a década. O número sete tem potência vitalizadora ou desvitalizadora.[25]

5x6x7= 210;

5 é o número da vida;

6 é o número da percepção;

7 é o número da intelectualidade;

210 é o número de dias que há em 7 meses, crianças saudáveis começam a nascer, normalmente, de 7 meses. [26]

O que se segue é:

1. O número 7 representa a onipresença de Exu, afinal, por ser análogo a forma do mundo;

2. O Exu é representado por um número vitalizador, ativo;

3. O Exu é um mediador;

4. O Exu é dito de um ser intelectual.

210 é o número de dias que há em 7 meses, crianças saudáveis começam a nascer, normalmente, de 7 meses. [26]

Por fim, Saraceni em diversas ocasiões aparece nos ensinando como fazer oferendas aos Senhores Exus Guardiões e cita que são necessários 7 elementos como, por exemplo, 7 limões, 7 velas…[27]

"Orun Apaadi"

Passione

Na cosmologia iorubá, há 9 espécies de Orum (mundo), sendo o melhor o "Orum Marê", o de julgamento "Orum Marê" e os de penas "Orum Apaadi" e "Orum Bucuru". Orum Apaadi é um termo usado costumeiramente como sinônimo de Orum Bucuru, outros, por interpretações estrangeiras, dizem que o Orum Apaadi é eterno, e outros que é temporal. Ambos os mundos de penas são temporais.

Por fim, há de se lembrar de certo sincretismo que a matiz africana, principalmente a umbanda, faz com o espiritismo - por via pragmática, claro. Daí surgem algumas concepções errôneas, como a crença de que as deidades são espíritos, que a tradição afro-brasileira é monoteísta, que os orixás são almas humanas ou de anjos (isto pode vir por causa do sincretismo com o catolicismo, também).

Por fim, há a definição de Umbral, vinda da concepção pós-kardecianismo que Chico Xavier adere dentro do espiritismo com sendo um purgatório real, pelo qual o suposto espírito "André Luiz" teria passado em determinado momento. Ainda, o termo vem do espiritismo, mas deriva do latim e do espanhol. Sabe-se muito bem que o purgatório enquanto lugar não é uma interpretação kardecista, mas sim uma heresia dentro do próprio espiritismo, pois Kardec diz:

"O que o homem chama purgatório é igualmente uma alegoria, devendo-se entender como tal, não um lugar determinado, porém o estado dos Espíritos imperfeitos, que se acham em expiação até alcançarem a purificação completa, que os elevará à categoria dos Espíritos bem-aventurados. Operando-se essa purificação por meio das diversas encarnações, o purgatório consiste nas provas da vida corporal".[28]

Èsù e o Umbral

O Exu atua de forma de maneira purgatória:

Exu, enquanto elemento religioso, atua como esgotador de carmas individuais e como vitalizador ou esgotador da religiosidade das pessoas;[30]

A espécie de Exu que age no Umbral se chama "Exu-Amparador". Este Exu trabalha para concertar os erros dos desencarnados, que as vezes são referidos como "obsessores" ou "quiumbas".

"Eles operam em climas pesadíssimos e são craques em dissolver as energias pesadas emanadas pelo ódio. Costumam trabalhar associados as egrégoras afro-brasileiras, principalmente na Umbanda".

"quem os critica não trabalha com as energias pesadas que eles tem que aturar a toda hora e nem tem metade da raça desses amigos que operam no Umbral e que tanto ajudam a humanidade sem receberem o mínimo reconhecimento".

"São eles que seguram as barras pesadas nos ambientes crosta-a-crosta e nos planos extrafísicos densos (umbralinos)"[31]

"São os carcereiros responsáveis pela "prisão" dos espíritos que afrontaram as Leis Divinas. Uma entidade de Luz não teria coragem de castigar um espírito que só conhece a linguagem do Mal, mas um Exu Guardião (carcereiro, amparador) tem sua falange para executar esse trabalho, e o faz com muita disposição.[32]"

A relação entre Exu e o Diabo

Uma das mais comuns associações de Exu com o Diabo vem da música "Ê, Caveira":

Quando o galo canta é madrugada
Foi Exu na encruzilhada, batizado com dendê
Rezo uma oração de traz pra frente
Queimo fogo e a chama ardente aquece Exu, Ô Laroiê!
Eu ouço a gargalhada do Diabo
É Caveira, o enviado do Príncipe Lúcifer
É ele quem comanda o cemitério
Catacumba tem mistério e seu feitiço tem axé
Ê, Caveira![33]

Rubens Saraceni descreve aqueles que fazem tal associação como "tolos delirantes" e diz que esta associação é devida às "suas mentes distorcidas e delirantes". Ademais, acerca da letra acima, que é interpretada da forma já exposta por verdadeiros iletrados, não é muito difícil perceber que se trata de uma sátira.

Citações/Bibliografias

[1]SARACENI, Rubens, Livro de Exu: o mistério revelado, páginas 27–28.

[2][4]SARACENI, Rubens, Livro de Exu: o mistério revelado, página 5.

[3][30]SARACENI, Rubens, Livro de Exu: o mistério revelado, páginas 3–4.

[5]"Mas, paradoxo dos paradoxos, se Exu Natural transpira vigor por todos os seus sentidos e não só por meio do sétimo, no entanto não vibra o "desejo". E por isso, Exu é limitado, pois enquanto irradiador natural da energia e do magnetismo vitalizador, não toma iniciativas próprias porque não gera o fator "desejo", fator esse cuja principal qualidade é a de estimular os seres a tomarem iniciativas por conta própria" SARACENI, Rubens, Livro de Exu: o mistério revelado, página 5.

[6]…não toma iniciativas próprias porque não gera o fator "desejo", fator esse cuja principal qualidade é a de estimular os seres a tomarem iniciativas por conta própria. SARACENI, Rubens, Livro de Exu: o mistério revelado, página 5.

[8][9][10]SARACENI, Rubens, Livro de Exu: o mistério revelado, página 7.

[11]SARACENI, Rubens, Livro de Exu: o mistério revelado, página 9.

[1]SARACENI, Rubens, Livro de Exu: o mistério revelado, páginas 27–28.

[12]SARACENI, Rubens, Livro de Exu: o mistério revelado, página 10.

[13]SARACENI, Rubens, Livro de Exu: o mistério revelado, página 11.

[14]SARACENI, Rubens, Livro de Exu: o mistério revelado, página 13.

[16][17]SARACENI, Rubens, Livro de Exu: o mistério revelado, página 28.

[18][19]SARACENI, Rubens, Livro de Exu: o mistério revelado, página 38.

[20]SARACENI, Rubens, Livro de Exu: o mistério revelado, página 25.

[21]-[26]IAMBLICHUS, The Theology of Arithmetic

[27]SARACENI, Rubens, Livro de Exu: o mistério revelado, páginas 14–18.

[31]SARACENI, Rubens, TEOIOGIA DE UMBANDA SAGRADA, pagina 194

[33]https://www.letras.mus.br/umbanda/1874634/